Imagem: Domingos Peixoto/Agência O Globo |
1.
Um rapaz negro caminha de volta para casa em uma rua suburbana do Rio
de Janeiro. Um carro com um casal para à sua frente, a mulher grita: "É
ele o ladrão!". Um homem salta apontando-lhe um revólver. É o policial
Waldemiro Antunes de Freitas Junior. que o obriga a deitar-se de bruços,
faz a revista, constata que não encontra-se armado e o conduz à
delegacia.
2. O delegado William Lourenço Bezerra o autua, apesar dos seus gritos
veementes de inocência, mesmo sem o acusado estar com o produto do
roubo. Era a palavra dele contra a dela, que prevaleceu.
3. Vinícius Romão de Souza é trabalhador empregado em uma loja como
vendedor de roupas e é recém-formado em psicologia, além de ser ator que
já participou de novela da TV Globo. É o orgulho da sua família, que
ficou muito abalada com a notícia da prisão.
4. O rapaz é mandado para uma casa de detenção em outro município e lá
permanece por duas semanas, entre assaltantes perigosos, presos por
agressões e outros negros inocentes como ele.
5. O desespero da mãe e as andanças do pai por hospitais públicos,
necrotérios e depósito de presos até conseguir descobrir onde o filho se
encontrava e a notícia da prisão ser publicada pela imprensa.
6. O drama da mulher que o acusou, agoniada pela dúvida de que tinha ou
não cometido uma injustiça ao reconhecê-lo, a ponto de desejar ir
retirar a queixa, o que não o fez apenas por faltar o dinheiro para a
passagem. Dalva da Costa Santos é pobre. O que lhe foi furtado foram
poucos reais e um telefone celular desatualizado.
7. As reações de militantes do movimento negro e os protestos públicos
dos amigos brancos do rapaz, o que levou o delegado Niandro Lima,
titular da 25ª DP (Engenho Novo) a impetrar um habeas corpus, documento
jurídico que tem o poder de libertar indivíduos que possam estar
sofrendo alguma injustiça.
8. Procurado pela imprensa, o pai, Jair Romão, militar aposentado,
declarou: "Eu sou espírita e perdoo a acusadora e o policial que prendeu
meu filho". No Brasil, muitas vezes parte-se do pressuposto de que,
sempre que ocorre um roubo, desde que não seja desvio de dinheiro
público, um negro é suspeito. Por motivo da lentidão das nossas ações
judiciais, o habeas corpus levou ainda um dia para ser cumprido.
9. Respondendo a um jornalista sobre os dias no presídio, Vinícius
disse: "Assim que cheguei, tive medo, mas tremi mais quando fui abordado
porque a arma estava apontada para mim e podia disparar. Eu sou
inocente e sabia que a justiça seria feita. Por isso não me desesperei e
nem chorei". Perguntado sobre discriminação racial, falou: "Racismo
existe, mas o que posso dizer é que todos os meus amigos nunca colocaram
um apelido discriminatório em mim. Tanto nos colégios particulares em
que estudei como na faculdade, todos sempre me respeitaram e eu também
me dei ao respeito. Na loja de roupas onde eu trabalho, dos 17
vendedores temporários eu sou o único negro e nas outras lojas não há
nenhum. Uma lição boa que tiro de tudo isso é aproveitar cada minuto
simples da vida, como abrir a geladeira e beber um copo de água".
10. A alegria da família e dos amigos ao recebê-lo. Romão ergueu os
braços de cabeça erguida, com os cabelos simbólicos cortados no
presídio. Sem rancor, declara: "Não tenho raiva dela. Ela sofreu um
assalto, estava nervosa, acabou me confundindo. Desejo muita luz e
felicidade para ela".
Final. Vinícius atendendo a um freguês na Toulon, que o manteve no
emprego, cena seguida pela cerimônia de colação de grau em psicologia.
No letreiro do filme, apareceriam os amigos que o apoiaram e por fim uma
imagem parada de Vinícius sorrindo e a frase: "O racismo existe".
Martinho da Vila
Folha de S. Paulo
Fonte: http://www.politicanarede.com/2014/03/martinho-da-vila-narra-historia-de.html
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